terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Leitura de Dezembro: O Homem na Multidão, de Edgar Allan Poe


O narrador da história, senta-se num café em Londres a observar a multidão, lá fora. Passa o tempo a classificar por tipos as pessoas que observa até que a noite começa a cair. Prende a sua atenção num homem, já decrépito, com sessenta e cinco a setenta anos de idade. O narrador sai do café com o objetivo de seguir o homem através da multidão.
Curiosidades:
Em 1840, Londres era a cidade mais populosa do mundo, com cerca de 700.000 habitantes.
Excerto:
«Os estranhos efeitos da luz levaram-me a examinar o rosto de cada pessoa; e, apesar de a rapidez com que esse mundo de luz se escapava diante da janela me impedir de lançar mais do que um fugaz relance a: cada uma das fisionomias, parecia-me de qualquer modo que, no meu singular estado mental do momento, podia frequentemente detectar, mesmo nesse breve intervalo de um relance, a história de longos anos. »

Para ler o livro: http://www.livros-digitais.com/edgar-allan-poe/o-homem-da-multidao/1

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Obra do Mês de Outubro/Novembro: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda


A obra do mês de outubro é um clássico do pensamento sociológico brasileiro. Ao lado de Casa Grande&Senzalas, de Gilberto Freire e Formação Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, inaugura um novo modelo de pensar as nossas próprias origens enquanto povo e nação. Enquanto Gilberto Freire vai buscar as nossas origens nos hábitos e costumes cotidianos, em que se sobressai a miscigenação das três "raças"que formaram o povo brasileiro (o branco europeu, o indígena e o africano), Sérgio Buarque de Holanda procura explicar os aspectos econômicos, sociais e culturais de nossa nação no processo de colonização portuguesa ao qual fomos submetidos. Neste sentido, o autor inova com um importante trabalho histórico de fundo sociológico ao trazer a tona as nossas similaridades mais profundas com os nossos colonizadores. Raízes do Brasil tornou-se nacionalmente conhecida por ser uma das primeiras obras do pensamento sociológico brasileiro que pretendeu explicar as particularidades do comportamento do povo brasileiro. Seu capítulo mais famoso,O Homem Cordial, serviu de inspiração para alguns autores buscarem a explicação do famoso "jeitinho brasileiro", o que não parece ser uma particularidade exclusiva de nosso país. Ao comparar o comportamento de nosso povo, sobretudo em relação àquilo que se refere à ordem social  e à legalidade jurídica, Sérgio Buarque estabelece um paralelo muito próximo com o processo de formação da sociedade portuguesa que, em razão de sua precocidade na formação de Estado Nacional, de sua posição geográfica e de sua formação social e econômica, não se atém a fundo na consolidação e na demarcação das ordens sociais e de uma vocação produtiva e econômica que sempre caracterizou algumas das principais nações europeias.


Em seu capítulo O Semeador e o Ladrilhador, o autor oferece talvez a sua maior contribuição no processo de análise da formação histórico-social a partir da formação do Brasil colonial em comparação com o processo de formação histórico-social dos países de colonização espanhola. Neste sentido, enquanto a hispano-América teve o seu processo de formação marcado pela racionalidade na formação dos espaços urbanos e administrativos, sempre localizados mais em direção ao interior, pela ideia de permanência secular e porque não dizer pelo desenvolvimento educacional e cultural para uma elite crioula local, a formação da América portuguesa, segundo o autor, se caracterizou muito mais pela ideia de improvisação e pela dificuldade de estabelecer raízes mais profundas em seu território de dominação.

No entanto, todas essas características não podem ser absorvidas como elementos de má formação de nossa sociedade, como querem ainda alguns analistas influenciados por teorias há muito superadas. O importante, neste aspecto, é perceber as particularidades históricas de nossos colonizadores e não atribuir, na sua totalidade, a eles as razões de nosso atraso.

Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo no dia 11 de julho de 1902 e faleceu no dia 24 de abril de 1982 na mesma cidade aos 80 anos de idade. Ao lado de grandes intelectuais já mencionados, Sérgio Buarque foi um dos mais importantes pensadores do Brasil contemporâneo. É autor de vários trabalhos acadêmicos; além de Raízes do Brasil, publicou "Cobra de  Vidro", 1944; Monções, 1945; Caminhos e Fronteiras, 1957; Visão do Paraíso, 1959; Do Império à República, 1972, entre outros.


Foi diretor do Museu Paulista por dez anos (1946-1956) e em 1948 passou a lecionar na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na Cátedra de História Econômica do Brasil, em substituição a Roberto Simonsen. Após viver na Europa por algum tempo, assumiu, em 1958 a cadeira de "História da Civilização Brasileira" na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Em 1980 participou da cerimônia de fundação do Partido dos Trabalhadores, recebendo a terceira cadeira de filiação do partido, após Mario Pedrosa e Antônio Cândido. Devido a sua importante e influente participação no partido e na condição de intelectual destacado, o Centro de Documentação e Memória da Fundação Perseu Abramo, recebe o seu nome: Centro Sérgio Buarque de Holanda Documentação e Memória Política. Após algumas décadas de ter nos deixado, Sérgio Buarque de Holanda é mais atual do que nunca. É leitura obrigatória nos cursos e ciências humanas e para aqueles que pretendem uma melhor compreensão do processo de formação histórico, social e político de nossa nação. Ao se tornar um dos fundadores da Universidade de São Paulo, na década de 1930, ele se torna pioneiro em seus trabalhos acadêmicos ao inaugurar uma nova visão interpretativa do Brasil, por meio de uma nova tendência de análise histórico-social.





sábado, 6 de setembro de 2014

Leitura do mês de setembro: O Pagador de Promessas, de Dias Gomes

“O pagador de promessas”, de Dias Gomes
 
A história acontece no interior da Bahia, a partir de uma promessa de Zé, que pede à Santa Bárbara a cura para seu burro, ferido por um galho de árvore. Como na cidade não havia uma igreja dedicada à santa, a promessa foi feita em um terreiro de candomblé, onde a santa tem o nome de Iansã. 
Zé do Burro, portando então uma cruz nos ombros, e sua mulher, Rosa, caminham do sertão baiano até Salvador para pagar a promessa. Como chegam lá, de madrugada, têm que esperar o amanhecer nas escadarias da igreja dedicada à santa. Quando o padre chega, Zé do Burro lhe conta que a promessa fora feita num terreiro de candomblé a Iansã, o que leva o padre a impedir que Zé entre na igreja. Obstinado, ele insiste em permanecer, ignorando os apelos da mulher para partirem, até que se torna assunto na cidade e acaba sendo o alvo de um repórter sensacionalista, que, por sua vez, distorce os fatos e o retrata como um messias que apoia a reforma agrária. 
Após muita insistência, o padre tenta persuadi-lo a refazer a promessa para que possa entrar na igreja, mas, desacatando as considerações do eclesiástico, Zé se enfurece e termina autuado pela polícia. Recusa-se a ser detido e tenta desesperadamente entrar na igreja com a cruz para cumprir sua promessa...
A história, também entremeada com a sedução da mulher de Zé do Burro pelo sedutor Bonitão, tem um final que em parte não se cumpre como o próprio personagem central esperava, cabendo, assim, a boa leitura que a obra sugere para que se possa conhecer como termina a promessa de Zé do Burro.
Vale destacar, ainda, que, sendo o dramaturgo brasileiro mais traduzido no exterior, Dias Gomes traz em, O Pagador de Promessas, mais do que a fé de um homem simples, os conflitos entre o Brasil rural e o urbano, muito evidente na onda de modernização que atravessava o país ao longo das décadas de 50 e 60, além do embate em torno das crenças de um povo, cujo sincretismo religioso se choca com o dogmatismo, o ritualismo rigoroso e a burocratização da igreja.
 
Por Paulo Tostes
 
 
 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Leitura de julho/agosto: O Cemitério de Praga, de Humberto Eco

No mês de junho, o grupo Prazer da Leitura conheceu o escritor Humberto Eco em seu estilo acadêmico, ao ler o ensaio Seis Passeios pelo Bosque da Ficção. Agora, visto o tamanho da obra e exigência de atenção, passamos a conhecer o Humberto Eco romancista, através da obra Cemitério de Praga. Dividimos a leitura em duas partes: 1) Capítulos: 1º ao 15º em julho e 2) Capítulos 16º a0 27º em agosto.

Segue uma breve sinopse, cuja fonte autoral está ao fim da postagem:

O mais importante intelectual italiano vivo, imbatível nos estudos de semiótica, Umberto Eco é, também, um romancista de talento incomparável. Mestre em criar tramas engenhosas, capazes de mesclar vários níveis de linguagem, personagens e ações, se tornou conhecido mundo afora com o sucesso de público e crítica O nome da rosa. Três décadas depois desse estupendo thriller, Eco retorna com um dos mais antecipados — e controversos — livros dos últimos anos: O cemitério de Praga. Quatrocentos mil exemplares vendidos na Itália em um mês.

Um tratado sobre o mecanismo do ódio, e espécie de síntese da história do preconceito, o livro causou desconforto em setores mais conservadores da sociedade italiana, principalmente entre religiosos, por misturar personagens históricos a um anti-herói fictício, cínico e maquiavélico, capaz de tudo para conseguir se vingar de padres, jesuítas, comunistas, mas, principalmente, dos judeus. Repleto de teorias da conspiração, falsificações, assuntos maçônicos e detalhes da unificação italiana, é no antisemitismo que repousa o coração da narrativa.

O cemitério de Praga também lembra um dos mais impressionantes episódios de falsificação da história: Os protocolos dos sábios de Sião, um texto forjado pela polícia secreta do Czar Nicolau II para justificar a perseguição aos judeus. Os escritos, que se acredita terem sido baseados em um texto francês — Diálogos no inferno entre Maquiável e Montesquieu — descreviam um suposto plano para a dominação mundial pelos israelitas. E serviriam de inspiração a Hitler para os campos de concentração. 

O odioso Simonini, que o próprio autor define como um dos mais repulsivos personagens literários já criados, é um mestre do disfarce e da conspiração. Um falsário a serviço de vários governos. Do nordeste italiano até a Sicília de Garibaldi, das favelas de Paris às tabernas alemãs, passando por missas negras, o bombardeio a Napoleão III, a Comuna de Paris, o caso Dreyfus, o Ressurgimento, Simonini é todas as revoluções, as más escolhas, os erros do século XIX, que Eco reconstrói com grande rigor histórico, entre tomadas de poder e revoluções.


Divulgação.
Com ares de novo clássico, O cemitério de Praga leva as mentiras históricas a novos patamares e revela, ainda, ferramentas usadas por falsários e propagandistas. Um trabalho memorável de filosofia da história e a natureza da ficção. Eco em sua melhor forma.

“Eco vence o desafio de inovar seu próprio gênero, sem perder o leitor acostumado às aventuras físicas e intelectuais dos romance erudito. Mostra que ainda é – para usar um termo que ele não aprovaria – o papa do suspense erudito”, Luis Antônio Giron para a revista Época".


 
Eis um trecho do livro:

"Os padres... Como os conheci? Na casa do vovô, creio; tenho a obscura lembrança de olhares fugidios, dentaduras estragadas, hálitos pesados, mãos suadas que tentavam me acariciar a nuca. Que nojo. Ociosos, pertencem às classes perigosas, como os ladrões e os vagabundos. O sujeito se faz padre ou frade só para viver no ócio, e o ócio é garantido pelo número deles. Se fossem, digamos, um em mil almas, os padres teriam tanto o que fazer que não poderiam ficar de papo para o ar comendo capões. E entre os padres
mais indignos o governo escolhe os mais estúpidos, e os nomeia bispos.

Você começa a tê-los ao seu redor assim que nasce, quando o batizam; reencontra-os na escola, se seus pais tiverem sido suficientemente carolas para confiá-lo a eles; depois, vêm a primeira comunhão, o catecismo e a crisma; lá está o padre no dia do seu casamento, a lhe dizer o que você deve fazer no quarto; e no dia seguinte, no confessionário, a lhe perguntar, para poder se excitar atrás da treliça, quantas vezes você fez aquilo. Falam-lhe do sexo com horror, mas todos os dias você os vê sair de um leito incestuoso sem sequer lavar as mãos, e vão comer e beber o seu Senhor, para depois cagá-lo e mijá-lo.

Repetem que seu reino não é desse mundo, e metem as mãos em tudo o que podem roubar. A civilização não alcançará a perfeição enquanto a última pedra da última igreja não houver caído sobre o último padre, e a Terra estiver livre dessa corja.

Os comunistas difundiram a ideia de que a religião é o ópio dos povos. É verdade, porque serve para frear as tentações dos súditos, e se não existisse a religião haveria o dobro de pessoas sobre as barricadas,
ao passo que nos dias da Comuna não eram suficientes e foi possível dispersá-las sem muito trabalho. Mas, depois que escutei aquele médico austríaco falar das vantagens da droga colombiana, eu diria que a religião é também a cocaína dos povos, porque a religião impeliu e impele às guerras, aos massacres dos infiéis, e isso vale para cristãos, muçulmanos e outros idólatras, e, se os negros da África se limitavam a se massacrar entre si, os missionários os converteram e os fizeram tornar-se tropa colonial, adequadíssima a morrer na primeira linha e a estuprar as mulheres brancas quando entram em uma cidade. Os homens nunca fazem o mal tão completa e entusiasticamente como quando o fazem por convicção religiosa".

 
 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Próximo encontro: Seis Passeios pelo Bosque da Ficção, de Umberto Eco


Seis passeios pelo bosque da ficção – Umberto Eco
O nosso próximo encontro, que acontecerá no mês de junho, irá discutir a obra de Umberto Eco, Seis Passos pelo Bosque da Ficção.
 
A obra é resultado de seis conferências realizadas por Umberto Eco, entre 1992 e 1993, na universidade de Harvard. O autor parte de conceitos como leitor-empírico – aquele que realiza uma leitura subjetiva da obra de arte, porque utiliza o texto como “um receptáculo de suas próprias paixões”, e leitor-modelo – aquele que seria um leitor ideal que o texto não apenas prevê, mas que quer como colaborador e, muitas vezes, tenta moldar durante a própria construção do enredo. Assim, mergulhando em questões cruciais da arte narrativa, tais como: as divergências entre tempo real e tempo ficcional, as diferenças entre história, enredo e discurso e seus respectivos tempos narrativos, e a verdade histórica e filosófica em contraste com a verdade ficcional, bem como a aceitação desta e a suspensão daquela, para que se possa adentrar o texto literário, os bosques de Eco são uma metáfora do texto narrativo. Enfim, um convite às diversas formas de se percorrer e interpretar uma mesma história, a partir dos espaços em branco que o autor-modelo espera que sejam preenchidos pelo leitor-modelo. Para tanto, o texto é apresentado como um “jardim de caminhos que se bifurcam”, para lembrar Borges, pois, para Eco, “Mesmo quando não existem trilhas bem definidas num bosque, todos podem traçar sua própria trilha e decidir a direção que vai tomar.

Percorrendo, assim, os textos de Homero, Dante, Shakespeare e James Joyce, bem como as fábulas dos irmãos Grimm, o universo romântico de Dumas e Nerval, as descrições góticas de Poe, a literatura filosófica de Kafka, entre outros autores e obras, Eco busca apontar algumas pistas para os inúmeros caminhos e trilhas com os quais nos deparamos diante de um texto que se propõe a contar uma história. São caminhos que, ao serem percorridos, cruzam as fronteiras imprecisas de um labirinto chamado texto, e que atravessam os tênues limites que separam a realidade da ficção... Temos, portanto, uma oportuna obra teórica, nem por isto sem o esmero literário de Umberto Eco, que deve ser lida por todos os amantes da literatura.

 

Por Paulo Tostes.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Vidas Secas, de Graciliano Ramos


O encontro do dia 25/05 debateu o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

O que impulsiona os personagens é a seca, áspera e cruel, e paradoxalmente a ligação telúrica, afetiva, que expõe naqueles seres em retirada, à procura de meios de sobrevivência e um futuro. Apesar desse sentimento de transbordante solidariedade e compaixão com que a narrativa acompanha a miúda saga do vaqueiro Fabiano e sua gente, o autor contou: "Procurei auscultar a alma do ser rude e quase primitivo que mora na zona mais recuada do sertão... os meus personagens são quase selvagens... pesquisa que os escritores regionalistas não fazem e nem mesmo podem fazer ...porque comumente não são familiares com o ambiente que descrevem...Fiz o livrinho sem paisagens, sem diálogos. E sem amor. A minha gente, quase muda, vive numa casa velha de fazenda. As pessoas adultas, preocupadas com o estômago, não tem tempo de abraçar-se. Até a cachorra [Baleia] é uma criatura decente, porque na vizinhança não existem galãs caninos". VIDAS SECAS é o livro em que Graciliano, visto como antipoético e anti-sonhador por excelência, consegue atingir, com o rigor do texto que tanto prezava, um estado maior de poesia.

domingo, 27 de abril de 2014

Assassinatos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe

The Murders in the Rue Morgue (Os Assassinatos da Rua Morgue, no Brasil; Os Crimes da Rua Morgue em Portugal) é um conto escrito por Edgar Allan Poe e que foi publicado pela primeira vez na Graham's Magazine, em abril de 1841.
Conta a história de dois brutais assassinatos de mulheres na Rua Morgue, em Paris, casos que parecem insolúveis até que o detetive C. Auguste Dupin assume o caso e, usando sua estupenda inteligência, desvenda esse grande mistério.
O detetive Dupin é considerado o precursor de Sherlock Holmes. Os métodos de investigação são semelhantes ao do detetive inglês e, as histórias policiais em que aparece, encontram-se no período da gênese da literatura policial internacional.
Apesar dessas qualidades, Dupin é pouco conhecido pois seu criador escreveu apenas três contos com ele (a obra completa de Poe é pequena em razão da sua morte precoce, aos 40 anos, além de mais identificada com contos de terror e suspense, outra criação literária do genial autor estadunidense).http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Aubrey_Beardsley_-_Edgar_Poe_1.jpg

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sobre a Felicidade, de Epicuro e Meditações, de Marco Aurélio

Quando se pensa em Epicuro, encontra-se um filósofo cuja proposta maior era alcançar a paz de espírito. E como se busca isso na vida?! Contudo, poucos conseguem aplicar os meios necessários para se viver essa paz. Para o filósofo grego, do século IV a. C., era viver bem sem nenhum medo ou perturbação, sem nenhuma dor. Só assim o homem poderia alcançar a felicidade. E como? Vejamos um exemplo: a morte como fonte de angústia. Para ele, “a morte não é nada”. Afinal, todo bem e todo mal traz suas sensações, e a morte é simplesmente a privação dessas sensações. Quem não acha nada de terrível na morte, não achará nada de terrível na vida, portanto, não devemos temer algo que é a ordem natural das coisas, nem ter “desejo” de imortalidade, pois, se estamos vivos a morte não existe, e, uma vez mortos, a morte não significa nada. Por aqui, já temos um bom começo para pensar a Carta sobre a Felicidade e o que move a nossa dor e o nosso prazer...
Por sua vez, Marco Aurélio, o imperador-filósofo (121-180 d.C.), e contemporâneo do apogeu do Império Romano, tinha como objetivo em suas “meditações” pensar sobre si mesmo e o ambiente que envolvia os bastidores da Roma Imperial. Mais do que apontar regras de comportamento para os outros, Marco Aurélio era um estoico, e, como tal, sabia que nenhum homem estava isento de algum vício, portanto, fundamental era pôr em prática os princípios de uma filosofia cosmopolita como o Estoicismo, buscando comandar os rumos do Império em consonância com as leis do universo – Razão maior que dirige todas as coisas. Assim, Meditações reflete uma proposta a ser aplicada em relação às mais variadas situações da vida vividas pelo imperador. Não é um livro que requer uma leitura linear, é mais um diário onde Marco Aurélio registrava qualquer coisa que lhe parecesse digna de reflexão, inclusive os mistérios da vida e da morte do homem.
Assim, levadas em conta as devidas diferenças entre o Epicurismo e o Estoicismo, numa obra e noutra temos a oportunidade de voltar aos “antigos” e refletir como pensavam questões essenciais da vida humana e que continuam prementes ao homem de todos os tempos. Porém, enquanto para os epicuristas a busca da felicidade passa pelo prazer, desde que moderado e não traga dor, para os estoicos, a felicidade vem da busca da harmonia entre Deus e a alma, e a necessidade de se viver de acordo com a natureza e com a razão. Fora desta perspectiva o homem não pode ser de fato feliz.

Neste sentido, ainda hoje podemos extrair reflexões importantes do Epicurismo e do Estoicismo, sendo que uma delas é que a verdadeira felicidade deve ser antes uma busca realizada com sabedoria.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Como leitura para o próximo encontro, teremos o romance "Triste Fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto, por meio do qual o autor faz uma crítica ao nacionalismo ufanista do final do século XIX e início do século XX.
Contudo, o texto vai mais além: é um embate entre a utopia e a realidade, pois o sonho de Policarpo Quaresma acaba por levá-lo a um trágico fim, sendo condenado à morte pelas próprias forças políticas que ele apoiava. Assim, aquele que tanto sonhou com um país mais justo e com menos desigualdades é derrotado em seus ideais.
O personagem nos lembra bem aquela perspectiva quixotesca, uma vez que o grande anseio de Quaresma o conduz a uma causa perdida, que parece existir somente pra ele. Afinal, a paixão por seu país é ao mesmo tempo a causa de sua loucura, pois não é o bastante para protegê-lo da fúria do sistema político e social em que vive.
Temos, assim, uma oportuna leitura sobre o nacionalismo exacerbado e os rumos da nossa primeira República, o que, aliás, não está tão diferente da República dos nossos dias, a qual ainda insiste num tipo de nacionalismo alienante pra esconder males sociais que apenas superficialmente têm sido contornados, enquanto usa a máquina pública primeiramente em causa própria.
Portanto, apesar de ter sido escrito há mais de 100 anos, a obra pode perfeitamente dialogar com o atual contexto nacional e com os “quixotes” contemporâneos que ainda idealizam um país melhor...
Considerado pela crítica literária um dos grandes escritores do Pré-Modernismo brasileiro, fica então a boa narrativa de Lima Barreto para o encontro de fevereiro. Publicada inicialmente em folhetins, em 1911, na edição vespertina do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, a obra foi impressa em livro apenas quatro anos depois.
Por Paulo Tostes





Para uma breve nota sobre a próxima leitura do grupo, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto (2005), vale começar pela epígrafe do primeiro capítulo, onde o romance já nos mostra a que se propõe: “Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos” (COUTO, 2005, p. 13). A percepção do escritor ao reconhecer o caráter híbrido das culturas nos aponta que estas, longe de serem monolíticas, adotam elementos linguísticos e culturais de diversos povos, e que buscam ultrapassar as fronteiras nacionais e suas pretensões imperialistas.
No romance, um jovem universitário precisa voltar à terra natal para o funeral do avô, cuja morte, na verdade, ainda não está completa. Após anos de ausência, o neto favorito é incumbido então de estar à frente de uma cerimônia fúnebre que esconde desígnios além da compreensão dos homens.
É nesse sentido que Mia Couto propõe outra percepção dos espaços – outras fronteiras –, onde a fluidez narrativa demonstra que a ficção não é necessariamente o contrário do verdadeiro, mas é capaz de apontar verdades até então encobertas pelas verdades históricas. Assim, ao romper com os limites do discurso racional do colonizador, o escritor moçambicano procura reinventar Moçambique, incorporando-lhe o vigor cultural de uma África que os séculos de dominação haviam tentado enfraquecer.
         Certamente a arrogância do pensamento moderno e civilizado, cercado de certezas que a tecnociência passou a sustentá-lo, deixou de lado o interesse pela totalidade, passando a se concentrar no estudo do fragmento e supondo que, por meio deste, alcançaria uma maior objetividade, própria do fazer científico. Com isto, considerou magias e mitos como algo irracional e irrelevante para o entendimento da vida social, visto como material descartável e criado pela mente obscura de primitivos que teimam em não ingressar no curso da história.
       Não é por menos que na citação: “sou como a palavra: minha grandeza é onde nunca toquei” (COUTO, 2005, p. 255), Mia Couto nos instiga o redimensionamento dos espaços e das paisagens que ocupam a geofísica de Moçambique. Em outras palavras, essa citação poética nos sugere que a nação, ao definir um espaço que seja seu e um outro que seja adverso, afirma-se de forma arbitrária, pois desconsidera que o homem não estabelece fronteiras em sua sensibilidade e nem tampouco em seu ir e vir.

Eis, portanto, uma boa reflexão para a leitura de janeiro... Paulo Tostes